O primeiro tomo da coleção Havia alternativa ao stalinismo?, de Vadím Rogóvin, chega ao Brasil pela Editora Sundermann. O livro dá início à publicação dos sete volumes produzidos pelo historiador e sociólogo russo ao longo da década de 1990.
A publicação da obra de Rogóvin foi um desafio. Galina Valiujenitch, viúva do autor, cedeu os direitos autorais da obra, presenteando os leitores de língua portuguesa, sobretudo as novas gerações, com o acesso a uma pesquisa magnífica realizada dentro da URSS.
A editora traduziu a obra direto do original em russo, garantindo a máxima exatidão possível sobre o texto. Jean-Jacques Marie, um dos maiores especialistas em URSS do mundo e amigo pessoal de Rogóvin, escreveu a apresentação especialmente para a edição brasileira.
A edição também traz amplo material complementar. O leitor vai encontrar, em todos os tomos, caderno de imagens, lista de siglas e organizações, glossário, datas de congressos e conferências e notas biográficas, além do sumário de todos os volumes.
A coleção
Rogóvin iniciou este trabalho, sua obra máxima, no início dos anos 1990. A notícia dramática de um câncer o surpreendeu logo no início da pesquisa. O prognóstico de apenas alguns meses de vida, no entanto, não o desanimou. Trabalhando durante as seções de quimioterapia, Rogóvin conseguiu concluir os seis primeiros volumes e quatro quintos do sétimo, que foi terminado por sua esposa e seu assistente com base em suas anotações. Ele faleceu em 1998, aos 62 anos.
Seu objetivo era retratar a história da oposição marxista revolucionária e as lutas políticas no interior da União Soviética durante as décadas de 1920 e 1930, ou seja, a verdadeira história do combate ao stalinismo na URSS, que tem início com a Oposição de Esquerda, em 1923, e vai até o pacto Stálin-Hitler, em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial, e o assassinato de Leon Trotsky, em 1940. Nas palavras do autor, ele queria “examinar o mecanismo do surgimento e do impetuoso crescimento do grande terror e revelar os motivos pelos quais essa grande ação terrorista se viu possível e exitosa”.
Ao iniciar essa empreitada, ainda não era um trotskista. Foi o que encontrou em sua pesquisa que fez dele inevitavelmente um trotskista. Ele se debruçou principalmente sobre os arquivos secretos da ex-URSS, que começaram a ser abertos na década de 1980. Neles, havia documentos estenografados de reuniões, congressos e conferências, material da imprensa e até correspondência pessoal dos dirigentes, além do Boletim da Oposição, publicado de forma clandestina no exterior entre 1929 e 1941.
Ele também visitou as memórias de vítimas do grande terror stalinista e teve a oportunidade de entrevistar alguns sobreviventes. O resultado foi uma coleção de sete livros magníficos, mas infelizmente quase inacessível. Até agora.
Uma obra inestimável
A publicação da obra de Rogóvin por si só tem um grande valor editorial ao trazer um material raro, com informações inéditas que superam a sovietologia ocidental.
Além disso, um dos compromissos permanentes da Editora Sundermann sempre foi com verdade histórica sobre a natureza e o significado do stalinismo. Não à toa, é a editora que mais publica a obra de Trotsky em língua portuguesa.
Esta obra, em particular, é um acréscimo incalculável à literatura antistalinista ocidental. Ela desmente tanto a propaganda stalinista quanto a propaganda anticomunista imperialista e desmistifica algumas visões correntes inclusive entre os antistalinistas.
Rogóvin demonstra que a derrota da oposição – principalmente da Oposição de Esquerda e dos trotskistas – não era inevitável. Com base em farta documentação, ele afirma que “o stalinismo não foi o resultado lógico e inevitável da Revolução de Outubro” e que “dentro do bolchevismo existia uma corrente forte que impulsionava uma alternativa real ao stalinismo, e a luta contra essa tendência foi a principal função do terror stalinista”.
Ao analisar as profundas razões sociais e políticas que envolvem os crimes do stalinismo, o autor constrói um amplo campo se visão onde o próprio leitor pode buscar os fatos. Sem negar o papel pessoal de Stálin, ele demonstra que o stalinismo não foi obra da insanidade de um único homem, mas um regime, com táticas e estratégia para destruir o legado da Revolução de Outubro.
O autor explica que, na disputa política e ideológica, num contexto de crescente descontentamento das massas, havia “algo de terrível na ideologia chamada de ‘trotskista’, naqueles anos, para a própria existência do regime stalinista”. Stálin, “ao longo da campanha pela ‘liquidação dos trotskistas e demais traidores’, ele exterminou toda a camada dirigente formada pelas pessoas que ainda se lembravam da outra forma, a leninista, de organização da vida partidária e estatal”.
Um dos grandes méritos da obra é dar voz aos verdadeiros “trotskistas” – como se sabe, qualquer um que manifestasse qualquer sinal de desacordo com a política stalinista era tachado de “trotskista”. Ao analisar o Boletim da Oposição, Rogóvin obtém os testemunhos desconhecidos destes revolucionários e tenta “preencher essa lacuna olhando para a realidade soviética dos anos 1920 através dos olhos dessas pessoas, comparando suas constatações, opiniões e prognósticos com o testemunho imparcial dos documentos históricos”.
Verdades, mas também lições
A obra de Rogóvin não revela a verdade apenas. Ela transcende seu tempo e norteia debates entre posições que se mantêm ainda hoje, mais de trinta anos depois da queda da URSS.
Fica evidente que, em hipótese nenhuma, o stalinismo é a consequência natural do bolchevismo e da Revolução de Outubro. Ele é o oposto do bolchevismo e do comunismo. Todo esse processo culminou na restauração do capitalismo, como bem detalha a obra de Rogóvin.
O stalinismo perverteu o marxismo e o leninismo e foi a melhor arma da burguesia mundial contra o comunismo e a revolução socialista depois que o mundo assistiu chocado ao grande terror ou grande expurgo da década de 1930. Na verdade, o que se viu foi o genocídio de centenas de milhares de comunistas.
Foi uma barreira tão nefasta ao movimento operário mundial que as consequências do que se passou na URSS são sentidas concretamente ainda hoje em processos nos quais a classe trabalhadora é chamada a lutar. A obra de Rogóvin é imprescindível, porque é um estudo científico que elucida as origens e os reais interesses por trás da defesa das posições stalinistas.
Um fim que significa um começo
A despeito da tragédia stalinista, o título do último livro é a expressão do otimismo histórico das mulheres e dos homens retratados nesta saga: Um fim que significa um começo. Ao iniciar este ambicioso projeto, a Editora Sundermann pretende dar um sentido a esse título.
Houve muita luta contra a burocracia e suas teorias no Partido Bolchevique. Tanto que Stálin teve que destruir fisicamente qualquer oposição. Leon Trotsky, que dirigiu a Revolução de Outubro ao lado de Lênin e formou e comandou o Exército Vermelho, é a maior expressão e foi assassinado por isso.
Em outras palavras, havia alternativa ao stalinismo sim – e ainda há.
Quem foi Vadím Rogóvin
Nascido em 1937, Vadím Zakhárovitch Rogóvin foi um pesquisador, doutor em Ciências Filosóficas e professor-titular do Instituto de Sociologia da Academia Russa de Ciências. Escreveu centenas de artigos científicos dedicados aos problemas de política social, história do pensamento social e movimentos políticos na URSS.
No começo dos anos 1990, Rogóvin começou a escrever sua obra máxima, Havia alternativa?, em sete volumes, dedicada à história da oposição e às lutas políticas no interior da União Soviética durante as décadas de 1920 e 1930. Faleceu de câncer em 1998, aos 62 anos, após concluir sua pesquisa. Rogóvin trabalhou até o último momento de sua vida, inclusive no hospital.
Dedicou-se ao estudo do problema da estratificação social na sociedade soviética. Nesse campo, enfrentou diretamente outros pesquisadores soviéticos, defensores das reformas de mercado, que iniciavam uma nova falsificação da história. Acabou isolado entre seus colegas, muitos dos quais entraram na administração de Iéltsin.
Quando todos os intelectuais e dissidentes dos anos 1960 se tornavam inimigos do marxismo, Rogóvin seguiu o caminho oposto, compreendendo que a degeneração da revolução não era inevitável, que existiu uma alternativa política ao stalinismo marxista e revolucionária, a qual deveria ser a base para um renascimento do socialismo.
Os livros:
i – Havia alternativa ao stalinismo?
ii – O poder e a oposição
iii – A NEONEP de Stálin
iv – 1937
v – O partido dos fuzilados
vi – A revolução mundial e a guerra mundial
vii – Um fim que significa um começo